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Refugiados em Portugal desesperam
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- Criado em 23-04-2013
A Segurança Social está a cortar na assistência aos refugiados que Portugal acolhe. E muitos subsídios acabam em Junho. Famílias de cinco pessoas vivem com 300 euros, sem direito a medicamentos.
Alaa Mohammed Assan não emigrou para Portugal. Foi obrigada pela guerra no Iraque a pedir asilo ao país, em 2009, depois de meses num campo de refugiados na Síria. Alaa, de 52 anos, é um dos cerca de 350 refugiados que escaparam à morte nos seus países e que a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou para Portugal.
Mas agora esta iraquiana, professora de química no seu país, volta a sentir-se à beira da morte. Ela, o marido e os seus três filhos. O Instituto da Segurança Social enviou em Março uma carta a todos os imigrantes, incluindo refugiados políticos, informando-os de que ia proceder, já a partir deste mês, a cortes nas prestações – tanto as da acção social (dadas a quem esteja no país há mais de três anos), como o rendimento social de inserção (que deixou de ser dado aos estrangeiros que residem no país há menos de três anos). Os cortes atingem os 70% e a partir de Junho essas prestações cessam em definitivo, para todos.
Os refugiados não são, porém, meros imigrantes. Segundo a ONU, são «os seres humanos mais vulneráveis do planeta». Não decidiram emigrar dos seus países: fugiram da morte, de violações, da tortura e da guerra.
Sem direito a rendimento mínimo, nem medicamentos
«Sinto que morri. Que morremos todos, eu e a minha família», desabafa Alaa, não conseguindo segurar as lágrimas enquanto conta a sua história em inglês. Recebe 380 euros de acção social, para cinco pessoas. O marido, que chegou há menos tempo, não tem direito ao rendimento social de inserção. «Não temos dinheiro sequer para pagar a renda de 500 euros», diz a iraquiana, explicando que todos os meses tem de implorar ao senhorio que não despeje a família da casa, na Bobadela (concelho de Loures).
Mas este não é, de longe, o pior dos seus problemas: «A minha filha de nove anos tem diabetes do tipo 1», começa a contar, mostrando as receitas, as cartas do médico e da Segurança Social. «O médico do hospital Dona Estefânia passou-lhe um papel a dizer que ela tinha direito aos medicamentos por ser doente crónica. Mostrei-o na Segurança Social e a técnica disse-me que não tem direito por não ser uma criança portuguesa», conta a mãe, a chorar convulsivamente. «O que é que eu vou fazer? Ninguém me dá emprego, não sei falar Português e sou refugiada. Não tenho dinheiro para os medicamentos, não os posso comprar». São cerca de 30 euros, em média, por mês.
A prestação da Segurança Social também não chega para o passe do autocarro da menina para a escola. «A meio do caminho, ela vai-se abaixo, por causa dos picos de açúcar», continua Alaa. «Desejo só que me prendam, a mim e à minha família. Pelo menos, teríamos casa, comida e acesso à saúde».
E o pior está para vir quando, em Junho, a prestação mensal que recebe cessar.
Cidadania concedida só ao fim de seis anos
Yassouf, de 62 anos, é o patriarca de uma família de cinco pessoas. Também ele viu a acção social ser reduzida para menos de metade, dos cerca de 1.300 euros que recebia, e prepara-se para perder tudo. Amid, o filho mais velho, que completa este mês 21 anos, traduz o que o pai diz. São afegãos, vieram de um campo de refugiados na Ucrânia há três anos e meio. Com ele está a mãe, e Radija, a irmã de 17 anos. «Ninguém nos dá emprego, os meus pais apenas falam árabe. O que vamos fazer?»
Uma questão paira nos rostos de todos e é repetida várias vezes: «Porque não nos deixam emigrar? Não temos a cidadania. Entendemos que o país esteja com dificuldade, mas porque não podemos ir procurar trabalho noutros países?».
O problema é que, segundo a lei, só podem obter a cidadania – e, consequentemente, emigrar – depois de residirem em Portugal pelo menos seis anos. Até lá, são cidadãos por protecção humanitária – havendo em Portugal cerca de 350 nessas condições, segundo dados do Conselho Português de Refugiados (CPR).
Também Yassouf viu a Segurança Social recusar pagar-lhe os medicamentos, apesar de a receita que tinha do hospital e do papel que comprovava que sofria de uma dor crónica nas costas. «Fizeram uma cópia, puseram numa pasta e fecharam. Não deram nada», diz Radija, a irmã afegã de 17 anos. «Em Espanha» – refere a porta-voz do Alto Comissário das Nações Unidas para OS Refugiados (ACNUR) naquele país, María Jesús Vega – «os requerentes de asilo e os refugiados têm direito ao sistema de saúde, como se fossem espanhóis». A porta-voz explica, no entanto, que não pode comentar a situação dos refugiados em Portugal, uma vez que o ACNUR não possui uma representação no país.
«Não podemos trabalhar porque somos refugiados. A minha mãe é cozinheira, mas não fala português. E usa lenço, é muçulmana. Ninguém vai contratá-la», conta Pariza, de 18 anos, a frequentar o 12.º ano. «O que fazer? Eu tentei ir trabalhar. Mas não há. E quero estudar. Quero ir para a universidade, ter uma vida melhor». Também as duas recebem cerca de 300 euros para viver. «Quando dizemos na Segurança Social que não conseguimos viver assim, dizem-nos: ‘Se não estás bem, volta para o teu país’. Mas nós não podemos voltar», continua a jovem afegã, também em Portugal há três anos e meio. Se voltassem, seriam mortas.
‘O Estado aceitou acolhê-los_e agora muda as regras’
«No gabinete das Nações Unidas, na Ucrânia, disseram-nos que viríamos para Portugal e que nos dariam casa, e o suficiente para vivermos. Quando chegámos, fomos confrontados com uma situação completamente diferente», diz ainda a jovem Pariza. A seu lado, Nazira, que vive também com cerca de 300 euros e com uma criança pequena, concorda.
«Disseram-nos que quando chegássemos, ficaríamos dois dias num hotel e depois teríamos a nossa própria casa, mobilada, pronta a habitar. Mas chegámos e fomos para o Centro de Acolhimento para os Refugiados, onde ficámos vários meses. Quando arranjámos casa, o dinheiro chegava só para um sofá. Sentimos que nos enganaram», diz Amid, pai de um bebé e prestes a perder a prestação mensal.
Amid e os outros afegãos falam na Mesquita Central de Lisboa, o lugar a que acorreram em busca de auxílio. «Não temos verbas próprias, não podemos fazer muito. Muitas vezes eles vêm apenas desabafar, ser ouvidos», explica ao SOL Akbar Saiyad do centro de solidariedade da Mesquita.
As situações de desespero repetem-se diariamente, na mesquita. «Sentem-se muito sós, sem apoios», diz o imã da mesquita, o sheik David Munir. A mesquita está a ajudar como pode: «Damos apoio jurídico. Estamos a escrever as cartas para a Segurança Social, não só para perceber o que se passa, mas também para pedir a continuidade dos apoios».
«O Estado aceitou acolhê-los, assumiu uma responsabilidade. Não lhes pode tirar o tapete a meio do caminho, mudar as regras», acrescenta Akbar Saiyad.
Ao Conselho Português para os Refugiados também não param de chegar pedidos de auxílio. «Assim que começaram a receber as cartas, em meados de Março, vieram pedir-nos ajuda. A Segurança Social anunciava que iria reduzir-lhes as prestações, nalguns casos em 70%, já a partir de Abril. Escrevemos para o organismo em nome deles, a pedir o prolongamento do prazo em pelo menos um mês», refere Mónica Frechaut, responsável pela informação pública do CPR.
Nas mãos do Governo
O novo prazo foi concedido e o CPR continua agora a fazer contactos para resolver, pelo menos, os casos mais desesperados. «São pessoas em situações especialmente vulneráveis, sem família ou amigos a quem recorrer», sublinha Mónica Frechaut, acrescentando que, além da situação difícil em que está o país, têm como principal barreira o desconhecimento da língua. «Pode-se pensar que é fácil aprender Português, mas muitos dos refugiados são árabes. Têm um alfabeto completamente diferente».
«Vivemos com 300 euros. Como vamos ter dinheiro para a minha mãe ir aprender Português? Isso acaba por ficar em último lugar» – explica Pariza, a jovem afegã Pariza. «Quando percebem que não falo bem Português, nunca me chamam», conta o somali Amed, de 54 anos, em Portugal desde 2007. Também ele tem uma família grande, com três crianças. «Agora, recebi uma carta a dizer que não há direito à acção social». A redução começa já em Maio, dos actuais 1.200 euros para para 427 euros. «A nossa prestação já foi reduzida quatro vezes. Como vamos viver?», questiona.
O CPR tem-se reunido com os refugiados frequentemente. Mas a decisão caberá ao Governo. «Apenas podemos servir de intermediários», sublinha Frechaut.
Os refugiados não alimentam muitas esperanças. «O anterior primeiro-ministro [José Sócrates] recebeu-nos, apareceu nas fotografias, ouvi-nos e mandou-nos embora com alguns bens alimentares. Fomos ver e tinham passado do prazo» – recorda Yassouf.
in SOL | 22-04-2013 | Sónia Balasteiro