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Advogados baixam tabelas e dedicam-se mais a falências e a despedimentos

advogadoEscritórios de advogados tiveram de se adaptar à crise. Admitem que baixaram honorários e que há mais clientes que não pagam.

J., penalista numa das maiores sociedades de advogados do país, resume o impacto da crise na vida de quem exerce advocacia com uma ironia mórbida: “Nas desgraças, os cangalheiros safam-se sempre.” É verdade que as grandes operações que marcavam a agenda e a conta bancária dos escritórios de advogados - como as transacções imobiliárias, as parcerias público-privadas ou os processos de fusões e aquisições - estagnaram com o estado do país, mas outras áreas do direito estão a dar que fazer aos causídicos. Os advogados ouvidos pelo i são unânimes: há mais trabalho a entrar pelos seus escritórios dentro. E essa carga de trabalho traz atrelado o lado negro do estado do país: as causas mais recorrentes passaram a ser despedir pessoas, tratar de insolvências de empresas, cobrar dívidas, lidar com crimes económicos ou “salvar” quem andou a fugir ao fisco.

J. é um dos seis especialistas em direito penal daquele escritório de Lisboa e admite que nos corredores já se fala da hipótese de contratarem outros penalistas. Tendo cada um deles um julgamento na agenda - a um ritmo de uma sessão diária -, faltam mãos para tantos processos. Tudo porque o contencioso fiscal não pára de aumentar. Há mais gente a fugir aos impostos? “O fisco está mais agressivo. As empresas, para tentar reduzir custos, fazem auditorias para saber onde podem cortar gorduras. Além disso, processos como o Furacão ou o Monte Branco trazem mais clientes: não só os que são apanhados como os que têm medo de o ser”, diz o advogado.

Rui Amendoeira, sócio-executivo da Miranda Correia Amendoeira & Associados, confirma que as áreas que têm registado maior crescimento são “a área laboral (despedimentos colectivos, renegociações salariais, reestruturações) e o contencioso, incluindo o contencioso fiscal”. Carlos Pinto de Abreu, fundador da sociedade com o seu nome, refere as “cobranças” e as “insolvências”. E Paulo Saragoça da Matta, sócio fundador da SMSB, coloca no topo da procura o “contencioso laboral” e a “recuperação de crédito”. Eis o lado cruel da vida de um advogado: trabalhar para que outros sejam demitidos. Para recuperar dívidas, ou amparar a falência de pessoas e empresas.

Na PLMJ, sociedade fundada, entre outros, por José Miguel Júdice, além da maior intensidade de trabalho no direito do trabalho, fiscal e contencioso, outras áreas “mais inesperadas” têm prosperado. É o caso das “áreas de direito bancário e financeiro, mercado de capitais, emissão de dívida, corporate e M&A”, resultado “sobretudo da abertura do capital de empresas familiares a novos accionistas, alienação de activos, entrada no mercado de fundos de private equity e de capital de risco e novos investidores estrangeiros”, afirma Manuel Santos Vítor, o managing partner da PLMJ, que tem uma visão mais alargada da actividade daquele escritório com 210 advogados.

Mesmo no imobiliário, o sector que praticamente parou devido à conjuntura, a PLMJ tem conseguido oportunidades. O segredo? Trabalhar “na internacionalização das empresas portuguesas”.

A aposta nos mercados internacionais também tem sido a “válvula de escape” para a crise na Miranda Correia Amendoeira & Associados. “Estar presente em 14 países - nomeadamente em países emergentes em África - tem-nos permitido diversificar o risco e resistir bem à crise do mercado doméstico”, explica o sócio Rui Amendoeira.

vítimas de calotes A crise pode ter enchido os escritórios de advogados de processos e desgraças várias, mas os honorários não caem com a mesma rapidez. São os tempos em que já nada segue a ordem natural das coisas: os advogados são agora, cada vez mais, os queixosos. De defensores passaram a vítimas das desculpas dos maus pagadores. E também de calotes: “Temos variadíssimas acções contra clientes que não pagam”, confessa J., acrescentando que a experiência já os ensinou a ser mais prudentes. “A única maneira de nos protegermos é com provisões, não começarmos a trabalhar antes de termos algum dinheiro. Assim sabemos que corremos menos riscos de aquele cliente não pagar.” Outra técnica passa por pedir dinheiro aos clientes nos momentos em que estes estão “na sua mão: na véspera de uma ida a tribunal, por exemplo, já que não vão arriscar ficar sem defensor.

Também Jorge Neto, da sociedade Jorge Neto & Associados, com sede no Porto e escritório em Lisboa, admite que os advogados, “estando inseridos numa sociedade mergulhada numa recessão económica”, sofrem inevitavelmente com a falta de rendimento disponível das empresas e das famílias. O ex-secretário de Estado da Defesa está convencido de que “globalmente não há menos trabalho para os advogados”, só que, em contrapartida, “o rendimento da actividade diminuiu”. “Há mais clientes a atrasarem-se no pagamento ou mesmo a falharem no pagamento dos honorários”, admite. E o advogado Paulo Saragoça da Matta vai ao seu encontro: “Os colegas com quem vou falando referem falta de pagamento e atrasos muito grandes nos pagamentos, mesmo de clientes públicos.”

No caso dos cidadãos, o candidato a bastonário da Ordem dos Advogados Jorge Neto antevê que o Estado “terá de reforçar as verbas” destinadas aos advogados oficiosos, uma vez que “aumentou o recurso ao apoio judiciário”.

Mas mais que do impacto da crise na vida das famílias, os advogados estão dependentes do impacto da crise no dia--a-dia das empresas. “O cidadão comum não tem por hábito consultar advogados, nem quando tem posses”, esclarece o sócio fundador da Saragoça da Matta e Silveiro de Barros (SMSB). Os maiores constrangimentos estão relacionados com as pequenas e médias empresas, por norma as maiores fontes de receita dos escritórios de advogados. Dada a conjuntura, “ou desaparecem ou se retraem profundamente, prescindido de acompanhamento jurídico em face de dificuldades manifestas de sobrevivência”, resume o penalista. “Há alguns que deixam de pagar porque deixam de existir, ou seja, entram em processo de falência”, resume Rui Amendoeira. Os outros “pagam mais tarde”, assume o sócio da Miranda.

As assessorias às megaempresas e ao Estado ficam quase sempre de fora do cálculo, por serem um campeonato em que poucos jogam. “Os que têm sempre dinheiro para assessorias legais são aqueles que têm um padrão de comportamento quanto a assessorias jurídicas que é o conhecido” (ou seja, sem sujeição a concursos de selecção), logo “a grande maioria dos advogados portugueses ressentir-se-á profundamente da crise”, critica Saragoça da Matta.

Com mais ou menos clientes, uma coisa é certa: quase todos confessam que tiveram de fazer ajustamentos na sua estrutura de custos e baixar o valor hora dos honorários. A redução chega a ser tal que Manuel Santos Vítor, da PLMJ, diz que “a tendência de algumas sociedades de advogados facturarem abaixo de custo” começa a ser “preocupante”.

Os clientes têm a corda na garganta, mas se os advogados não forem compreensivos é para o seu pescoço que a corda salta. Sobreviver resume-se a uma questão de compreensão. “Neste contexto de crise, os clientes têm naturalmente particulares dificuldades de tesouraria. E os advogados são sensíveis aos problemas dos seus clientes”, diz Carlos Pinto de Abreu.

in ionline | 20-03-2013 | Silvia Caneco

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