facebookrssyoutubetwitter

INFOJUS

LEGISLAÇÃO

ÚTIL

Noticias

Supremo. Difamar o patrão não é motivo suficiente para despedimento

tribunalO que tramou o delegado sindical não foi dizer que o patrão mantinha uma "relação promíscua" com uma funcionária. Nem acusá-lo de chantagista. Isso é uma infracção grave, mas não chega para o despedir.

Escreveu uma carta que chegou ao conhecimento de todos os funcionários a acusar o patrão de manter uma relação "promíscua" com a "estrela da companhia". Chamou-lhe vingativo, pessoa raivosa, chantagista e insinuou ainda que o chefe sofre de perturbações psíquicas profundas. À partida são acusações mais que suficientes para um despedimento por justa causa. Para os juízes, no entanto, a ousadia é uma "infracção disciplinar grave", mas não tão grave que implique mandar um empregado para a rua.

Neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça até viria a confirmar que a empresa tinha razões para despedir José (nome fictício), mas não devido à carta que ofendia "a honra" do patrão. O que prejudicou o funcionário e delegado sindical que trabalhava naquela empresa desde 1992 foi o seu historial: tinha demasiados antecedentes disciplinares.

O funcionário foi um dos subscritores da carta remetida a 22 de Setembro de 2010 ao presidente da CP (a gráfica em que trabalhava era detida pela empresa pública), enumerando alegados comportamentos pouco éticos do presidente do conselho de administração. Não foi preciso esperar muito para que todos os trabalhadores da empresa pudessem ler a missiva que acusava o chefe de ter "uma relação promíscua" com uma funcionária apelidada de "estrela da companhia" e a quem daria uma série de regalias.

O Doutor e a ESTRELA "O doutor", escreveram os trabalhadores, autorizava-a "a fazer horas extraordinárias todos os dias", era "visto vezes sem conta a cochichar com a sua protegida, por tudo o que é canto da empresa, nas horas de serviço, em surdina", ter-lhe-á dado "plenos poderes" para "fechar orçamentos abaixo do seu custo real". E, pior que isso, dizia a carta, "a relação promíscua que o doutor" tinha "com a denominada estrela da companhia", além de "condenável a todos os títulos", não dava "mostras de vir a terminar".

Além destes aspectos mais íntimos, os trabalhadores referiam ainda que o superior hierárquico tinha comportamentos autoritários que os perturbavam: "Ele persegue, ele amedronta, ele chantageia." Dirigia-se "aos colaboradores com a voz demasiado elevada e com raiva", ameaçava os mais frontais "com a rescisão dos seus contratos de trabalho" e, como se tudo isto não bastasse - acusavam os funcionários - ainda parecia sofrer de problemas psíquicos. "Não sendo médicos, dá-nos a impressão de estar profundamente afectado psicologicamente, estando, provavelmente, a precisar de descanso ou algo mais."

DESPEDIDO A carta foi suficiente para que, a 12 de Outubro, lhe fosse instaurado um processo disciplinar. E, pouco mais de um mês depois, fosse avisado de que seria despedido de imediato com justa causa. O funcionário, porém, bateu às portas dos tribunais para recorrer da sanção disciplinar. O tribunal de primeira instância deu-lhe razão e obrigou a empresa a reintegrá-lo, com o mesmo cargo e categoria.

Mas o Tribunal da Relação de Lisboa e, por último, o Supremo Tribunal de Justiça, decidiram em sentido contrário: o delegado sindical tinha sido justamente despedido. Só que enquanto os juízes da Relação entenderam que a carta era suficiente para justificar aquele fim - porque "violou o dever de respeito para com o superior hierárquico" -, os juízes conselheiros concluíram, num acórdão datado de 4 de Julho, que aquele papel não bastava para quebrar uma relação de confiança no trabalho.

Ficou provado, além do mais, que algumas das acusações da carta não correspondiam à verdade. Afinal a "estrela da companhia", a alegada predilecta do chefe, não fazia mais trabalho extra que os colegas. Consultada a tabela das horas extraordinárias, a funcionária "apenas aparecia em segundo lugar, não havendo uma diferença substancial para os demais trabalhadores susceptível de configurar uma relação preferencial". E também nunca tinha recebido horas extraordinárias aos fins-de-semana durante o ano de 2010.

A "relação promíscua" invocada na carta também não escapou a uma apurada reflexão dos juízes. Algumas testemunhas disseram que o termo queria designar "um tratamento preferencial", mas o dicionário de língua portuguesa da Porto Editora desmentiu: a expressão promíscua era sinónimo de "misturado, que tem vários parceiros sexuais, que conota sexo, pessoa que se entrega sexualmente com facilidade", logo, concluíram os conselheiros, não havia dúvidas "sobre aquilo que os subscritores da carta queriam insinuar quando utilizaram a palavra 'promíscua', pese embora" terem tentado "justificar a utilização da mesma dando-lhe um sentido que esta não tem". José também não conseguiu justificar a necessidade de o seu patrão ter tratamento médico.

DIREITO À CRÍTICA Os juízes conselheiros não esqueceram que a liberdade de expressão é um direito fundamental mas lembraram que não é "um direito absoluto" e que o direito de crítica "não deve entrar em domínios de maledicência desnecessária para o debate de ideias". Algumas expressões "exaradas na referida carta", concluíram, "são atentatórias da honra e consideração das pessoas visadas pois insinuam um comportamento socialmente desajustado por parte dos mesmos, mormente quanto ao relacionamento 'especial' entre ambos".

Os trabalhadores "exorbitaram da terminologia estritamente necessária ao direito de crítica que pretendiam exercer, invadindo a privacidade do superior hierárquico e da trabalhadora e utilizando expressões portadoras de juízos de valor vexatórios". E as considerações relativas ao equilíbrio psicológico do presidente também eram "pejorativas e desnecessárias".

Por tudo isto, não restavam dúvidas de que José praticou uma infracção disciplinar grave "por violação do dever de urbanidade e respeito". Mas, acautelaram os conselheiros, a transgressão de uma regra laboral não tinha necessariamente de terminar em despedimento.

O tribunal só acabaria por vir a concordar com a demissão porque aos autos se juntaram outros episódios sobre o seu passado na empresa: em 1994, 1998 e 1999 foi alvo de processos disciplinares por tentativa de agressão e conflito com colegas; em 2003 respondeu por agressão ao director administrativo e financeiro; em 2002 foi apanhado a trabalhar com uma taxa de álcool de 0,71 gramas por litro de sangue e, a 18 de Junho de 2010, recusou soprar de novo no balão depois de ser o escolhido, por sorteio, a submeter-se ao alcoolímetro.

Tudo ponderado, "e tendo em conta o passado disciplinar do trabalhador, no qual constam sanções disciplinares por comportamentos relacionados com desentendimentos com colegas de trabalho e superiores hierárquicos", os juízes concluíram que a empresa não era obrigada a dar trabalho ao delegado sindical, "em virtude de dúvidas sérias e legítimas quanto à conformidade do comportamento do trabalhador no futuro, tornando-se prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral".

in ionline | 05-08-2013 | Silvia Caneco

collex debates discursos lexpoint vida economicaupt parceiro