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"Defendo a criminalização dos salários em atraso"
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- Criado em 29-04-2013
Pedro Pimenta Braz, inspector-geral do Trabalho desde Janeiro, considera que os salários em atraso são uma "originalidade portuguesa" que se arrastam há 20 anos e, por isso, deviam ser criminalizados.
Os salários em atraso são uma "originalidade portuguesa" que tem sido mais ou menos constante nos últimos 20 anos, destaca Pedro Pimenta Braz, inspector-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). É por isso que defende a criminalização deste comportamento por parte dos patrões. O novo inspector-geral do trabalho, no cargo desde meados de Janeiro e que era inspector de carreira na região de Santarém, considera ainda que a crise "não veio demonstrar nada de novo" mas acentuar problemas que já existiam.
Num contexto de crise, a Autoridade para as Condições de Trabalho deve ter um papel mais didáctico ou uma atitude mais dura?
A crise não pode ser álibi para o incumprimento da lei. Um inspector de trabalho quando vai a uma empresa tem um duplo juízo na avaliação de uma situação: o da legalidade e o da oportunidade. A oportunidade tem a ver com factores como o grau de incumprimento da empresa no passado, o contexto em que sobrevive, o número de trabalhadores. Com base nestes dois juízos, o inspector tem de adoptar um determinado gesto, que pode passar por uma sanção, uma notificação para tomada de medidas ou um auto de advertência. Temos sempre uma acção sancionatória e uma acção pedagógica. Ambas têm de ter o mesmo fim: o cumprimento da lei. Muitas vezes diz-se que a ACT não faz isto ou aquilo. Resta saber se a legislação nos permite fazer "o isto" ou "o aquilo".
A lei tolhe os movimentos da ACT?
A lei não tolhe os movimentos da ACT. Os poderes que temos são suficientes para a nossa actuação. Os meios já não o serão e a ACT continua a não poder aceder a bases de dados fundamentais para a nossa actuação no terreno, embora a interligação com outras autoridades seja formalmente muito boa. Mas há questões que têm a ver com a forma como a autoridade está construída em termos jurídicos. Por exemplo, quando um inspector detecta um falso recibo verde tem de levantar um processo contra-ordenacional, aplica-se uma coima e a empresa é obrigada a integrar o trabalhador nos quadros da empresa. Imaginemos que a empresa não integra e não paga a coima, nesse caso, a ACT não pode fazer nada.
Nesse caso específico, a ACT devia ter outros instrumentos para actuar?
Neste caso, a ACT deveria poder utilizar o auto de advertência - que nos daria jeito nas coimas graves e muito graves. Trata-se de uma advertência formal, escrita, dizendo que se a empresa integrar o trabalhador, a ACT não levanta o auto de notícia. Diz-nos a experiência que poderia ser mais eficaz. Usávamos este tipo de instrumento no contrato de trabalho a termo não fundamentado e o número de trabalhadores integrados no quadro das empresas através deste acto administrativo era incomensuravelmente superior.
Defendo também um aumento das coimas relativamente a esta matéria e um crescendo da criminalização do trabalho não declarado e dos recibos verdes. A lei podia criminalizar a reincidência do trabalho não declarado e dos recibos verdes. E defendo a criminalização dos salários em atraso.
Porquê?
Antes de mais porque se trata de uma originalidade portuguesa, é inadmissível uma pessoa trabalhar e não receber o seu salário. E porque é algo que se arrasta há 20 anos em Portugal e não é resolvido. A crise tem as costas muito largas, mas os salários em atraso não resultam da crise. Claro que a crise veio acentuar o problema, mas se recuarmos a 2008 havia salários em atraso, em 2007 havia salários em atraso, em 2006, em 2005 havia salários em atraso. É impensável. Um mês pode ser tolerável, mas dois meses já não. Ao fim de um mês o empresário sabe perfeitamente qual é a situação da empresa.
No final de 2012 havia perto de 23 mil pessoas nessa situação, três vezes mais que em 2011. Que outras situações têm sido evidenciadas pela crise?
A crise não veio demonstrar nada de novo, veio acentuar o que já existia. Estamos a falar dos salários em atraso, do trabalho não declarado (parcialmente não declarado, a pessoa que trabalha 22 dias e recebe só 11, quadros bem pagos que recebem metade do seu salários por fora) e da infracção aos tempos de trabalho - as pessoas em vez de trabalharem 40 horas por semana trabalham 60 e não são pagas por isso. Acresce ainda o trabalho a tempo parcial por acordo forçado com o trabalhador. Essas situações acentuaram-se com a crise, mas não são novas.
As alterações ao Código do Trabalho que entraram em vigor no ano passado dão instrumentos ao empresário que deveriam servir para que estes problemas ao nível dos tempos de trabalho não ocorressem. Por que é que não estão a resultar?
Os instrumentos que estão no Código são tão complexos que o empresário médio não tem conhecimentos para os utilizar. É uma realidade que já vem de trás. Falha uma avaliação do nosso enquadramento laboral e uma análise, artigo a artigo, se está a ser útil. Isso não é feito, os governos alteram a lei empiricamente. Quem usa estes instrumentos são os grandes sectores e as grandes empresas estruturadas.
No final do ano passado a Segurança Social notificou a ACT para acompanhar os casos dos trabalhadores a recibos verdes que têm mais de 80% do rendimento pago pela mesma empresa. São mais de 32 mil. Já iniciaram o processo?
A acção foi desencadeada há uma semana e meia e vai-se prolongar pelo ano todo. É um processo trabalhoso, os pressupostos do recibo verde têm de ser comprovados, há um conjunto de critérios que temos de verificar in loco e temos de sustentar a nossa avaliação. Se a empresa não aderir à nossa visão, o auto de notícia tem de ser demonstrado com factos.
Que prioridades para este ano?
A área de trabalho não declarado é um dos projectos para 2013 e 2014. Mas queremos focar a actuação em dois objectivos: redução de acidentes de trabalho mortais e contribuir para a redução dos salários em atraso. Queremos ser avaliados com base nestes dois objectivos.
Estes objectivos têm estado muito dispersos?
Têm... a pergunta que tem de ser feita é o que é que mudou nos locais de trabalho com a actuação da ACT. Por exemplo, em 2012 conseguimos recuperar um milhão e 200 mil euros de dívidas à Segurança Social, mas a questão é: e as empresas continuaram a pagar? Não me adianta entrar numa empresa e levantar 20 autos de notícia se não mudar nada. Vai ser pedido aos inspectores, fará parte dos objectivos para este ano e para 2014, aumentar as percentagens de segundas visitas. Porque isso condiciona positivamente a minha visita.
Os trabalhadores recebem bem as visitas dos inspectores?
Nem sempre. Porque estão à espera que solucionemos todos os problemas. Tive casos de pessoas com salários em atraso que estavam à espera que lhes pagássemos o salário. Há um desconhecimento muito grande do que é a ACT e quais as situações que podemos regularizar.
Os acidentes de trabalho mortais atingiram o número mais baixo dos últimos anos. É sinal de que as empresas e os trabalhadores estão mais atentos ou tem a ver com a retracção da actividade económica, nomeadamente na construção civil?
A redução que tem ocorrido resulta de dois factores. Em primeiro lugar do decréscimo da actividade económica e do tecido produtivo, mas também resulta do trabalho de divulgação dos mais diversos actores. Tenho receio que a redução não seja sustentada, porque dos 149 acidentes mortais de 2012 alguns resultaram de questões que julgávamos estarem ultrapassadas (máquinas em mau estado ou equipamentos que não estão certificados). A crise não pode ser desculpa.
Com a crise os empresários descuram na segurança?
Há essa tentação. Da nossa parte seremos irredutíveis. Estamos a falar de vidas humanas e, em segundo lugar, de competição entre empresas.
A ACT tem meios para cumprir os objectivos?
Os indicadores da OIT apontam para um inspector para 10 mil activos. Nós precisaríamos de 410 a 420 trabalhadores. Neste momento temos 340 e entre Setembro e Outubro teremos 300 inspectores. É insuficiente para o nosso tecido económico. O ideal seria 450, um número bom seria 400 a 410.
Como é que a ACT tem sido afectada pelos cortes orçamentais? Recentemente os inspectores alertaram que tinham de limpar os locais de trabalho.
Temos menos um milhão e 500 mil euros para despesas de funcionamento. É a realidade de toda a administração pública, mas tem consequências nalgum desenho informático que precisávamos de mudar, equipamentos, as nossas viaturas mais recentes são de 1999 e gastamos uma fortuna na sua manutenção.
E os serviços de limpeza?
A maioria dos serviços tinha contratos com empresas de limpeza que terminaram. Pedimos a renovação dos contratos, que já foi autorizada pelo secretário de Estado do Emprego. Mas tudo tem de ter autorização das Finanças. Mas não há nenhuma ordem para os funcionários comprarem produtos de limpeza ou limparem os seus locais de trabalho.
in Público | 29-04-2013 | Raquel Martins