INFOJUS
LEGISLAÇÃO
ÚTIL
Noticias
Custo das leis mal feitas dava para pagar salários dos deputados
- Categoria: Noticias
- Criado em 30-01-2013
Apesar de uma grande parte dos deputados que estão na Assembleia da República se dedicar à advocacia, a verdade é que a qualidade das leis que ali se produzem deixa muito a desejar.
Apesar de uma grande parte dos deputados que estão na Assembleia da República se dedicar à advocacia, a verdade é que a qualidade das leis que ali se produzem deixa muito a desejar. E não é de hoje. Já chegámos ao ponto de ver Pinto Monteiro a pedir aos deputados, em plena comissão parlamentar, que tirassem uma vírgula entre sujeito e predicado num artigo. Mas o problema legislativo em Portugal não é só gramatical. Cavaco Silva já avisou um sem número de vezes que "toda a lei que seja incerta, mal avaliada quanto aos seus efeitos ou portadora de normas de duvidosa inconstitucionalidade inquina o sistema de justiça".
Por entre gralhas, erros gramaticais, omissões, inconstitucionalidades, remissões para normas inexistentes, se vão fazendo as leis em Portugal. Exemplo disso é a nova lei que aprova o pagamento de metade dos subsídios em duodécimos e que está a provocar as mais variadasinterpretações jurídicas.
É que a lei que entra em vigor hoje, sim hoje, diz que o pagamento em duodécimos "não se aplica a subsídios relativos a férias vencidas antes da entrada em vigor da presente lei". O problema é que os subsídios de férias devidos este ano (pelo trabalho prestado em 2012) são relativos a férias já vencidas a 1 de Janeiro. Logo, se a lei entra em vigor hoje, então o pagamento em duodécimos excluiria o subsídio de férias. É esta a interpretação de vários especialistas contactados pelo Diário Económico que dizem que em vez de "antes da entrada em vigor da presente lei", os deputados deveriam, ao invés, ter escrito "antes da produção de efeitos da presente lei". É uma nuance, mas que faz toda a diferença.
O caso em si não é grave. Os deputados, muito provavelmente, vão fazer uma declaração de rectificação, e daí não vem grande mal ao mundo. Mas é um sintoma da forma atabalhoada e apressada como as leis são feitas. E não seria preocupante se fosse um caso único. Ainda há dias Cavaco promulgou a Reorganização Administrativa do Território e agora veio-se descobrir que o decreto fez "desaparecer" três freguesias do concelho de Barcelos. Quem vivia em Ucha, Várzea ou Vila Seca deixou de existir aos olhos da lei. Carlos Abreu Amorim veio ontem descartar a necessidade de uma nova votação no plenário, bastando accionar a famigerada figura de rectificação. O deputado do PSD veio criticar a "tendência natural neste país para complicar, em vez de simplificar".
E terá sido imbuídos deste espírito simplificador que os deputados também desenharam e aprovaram o novo desenho administrativo de Lisboa com um insólito erro no mapa que criou a freguesia do Parque das Nações, num território até à altura pertencente ao município de Loures. Neste caso Cavaco perdeu a paciência e chumbou o diploma. Na altura, voltou a pedir "qualidade e o rigor na produção das leis".
E foi com a qualidade habitual que os deputados também aprovaram a lei sobre a limitação dos mandatos e até agora, com as autárquicas à porta, ainda ninguém percebeu muito bem se a limitação dos mandatos dos autarcas incide sobre o território ou sobre a função.
Se procuráramos mais para trás, se calhar vamos encontrar outros exemplos - Código do Trabalho, Lei do Divórcio ... - de casos de leis que, por terem sido mal feitas, tiveram custos directos e indirectos para o Estado, sendo que o mais gravoso é a insegurança jurídica e a inoperância da Justiça.
A única estimativa que se conhece para os custos de legislação mal feita foi avançada, há já dois anos, por uma técnica da presidência do Conselho de Ministros: 7,5 milhões por ano. Visto que temos 230 deputados, e que cada um leva para casa cerca de três mil euros, é fácil concluir e fazer as contas: se os deputados fizessem as leis como deve ser, o dinheiro que se pouparia chegava para lhes pagar o salário.
in Económico | 29-01-2013 | Pedro Sousa Carvalho